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Retratos & Roteiros Sociais - Por Cassiano R. M. BovoVOLTAR

Manifestação de 29 de maio em São Paulo: retratos

Manifestação de 29 de maio em São Paulo: retratos
Cassiano Ricardo Martines Bovo
jun. 3 - 8 min de leitura
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                                                                                                              "Paulo Gustavo

                                                                                                    500 mil brasileiros mortos

                                                                                                                  Genocídio" (1)

                                      

Avenida Paulista, palco de tantas (e, em algumas épocas, diárias) manifestações, depois de muito tempo receberia uma de envergadura nesses tempos de pandemia: contra o Governo Bolsonaro e pelas vacinas. Isso depois de bolsonaristas realizarem várias delas. Apreensão. Como seria essa? Para apoiadores do presidente esse tipo de preocupação não faz muito sentido, pois em geral não estão preocupados com o vírus (capturados e vítimas do verme). É diferente para quem luta respeitando a vida, tanto que muitas pessoas queriam lá estar e não foram.      

Mais ou menos uma hora antes do início previsto caiu um baita temporal. Mau presságio? A chuva logo passou e até saiu o sol. O contrário: alvissaras.  

Fui para a Paulista. Caminhando na lateral do Shopping Pátio Paulista, quando se inicia a mais paulistana das avenidas, vi um tanto de pessoas freneticamente entrando no templo do consumo e muitas outras saindo com seus pacotes de compras, alegremente conversando, alheios... será que sabiam da manifestação? Ou não importa mesmo?  

Mais à frente, passando pelo Shopping Cidade de São Paulo, que fica mais ou menos no meio da avenida, novamente o mesmo ardor consumista, alheios...E olha que estávamos a poucos metros da concentração da manifestação e aquele trecho já estava fechado para carros. Contraste: manifestantes passando com camisetas temáticas, bandeiras, placas, junto a consumidores entrando e saindo do shopping, como dois líquidos que não se misturam, a exemplo da água e do óleo.  

E logo já vi algumas faixas:

“Povo na Rua, Fora Bolsonaro”

“O povo na rua, Bolsonaro a culpa é tua”

“Impeachment e vacina já”

Em frente ao Trianon-Masp, uma massa, essa não-alheia. Saudades dessa mistura: pessoas, faixas, placas, o multicolorido dos movimentos, um alento em meio à desgraça que nos abateu nesses tempos. O “Fora Bolsonaro” predominando em faixas, placas e cânticos; muitas vezes com complementos, como na faixa “Nem tiro, nem fome, nem covid – Fora Bolsonaro”. Muita menção às vacinas, como na placa “Vacina salva vidas – Amazônia salva o planeta”.

Tantas denúncias e reivindicações nesse embalo. Insatisfação escancarada, contra a agenda neoliberal e a autoritária, mortes, reformas, privatizações, fome, genocídio, pouca vacina, cortes na educação e universidades, metas, privatização, fascismo, garimpo, dentre outras. Sobressaíram-se nefastas palavras, principalmente “assassino, morte e genocida”. Tudo em meio à cantoria, às saraivadas de palmas, gritos, luta.  

Em frente ao Parque Trianon, o contraste. Policiais enfileirados como uma corrente de uma ponta à outra. Outros, em grandes grupos, próximos à massa, na divisa com a calçada. E de olho na faixa “Vacina no braço, comida no prato, Fora Bolsonaro” pude ver como vários coletivos e organizações utilizaram o evento e o espaço para discursar, gritar, cantar, reivindicar, às vezes, em rodas, outras, usando carros de som e megafones próprios, como manifestações dentro da manifestação. Num carro de som, já na marcha em direção à Rua da Consolação uma mulher cantava:

“Não é mole não, greve geral para sair vacinação” 

Em alguns pontos, gigantescas faixas (redondas ou retangulares) estendidas, de variadas agremiações, como ilhas, em que as pessoas, à volta, seguravam cada ponta e cantavam. 

Na massa destacava-se um enorme boneco do “Capitão Cloroquino”, com o rosto de Bolsonaro, olhos arregalados, roupa totalmente preta com botões brancos e uma faixa verde e amarela, com manchas avermelhadas, diagonalmente passando de um ombro até o outro lado da cintura; na mão uma caixa de remédio escrito “Cloropina”. Nas costas, idem, mas com botões vermelhos. Já à noite, se tornou mais destacado: os botões, frente e verso, ficavam completamente iluminados.  

Uma manifestante cantava o refrão:

“Para ter vacina, encher o prato, tem que pôr fim ao governo Bolsonaro”

E eu emendo com uma faixa, com a pergunta:

“Faltam quantas mortes para o impeachment?”

De repente, na calçada, vi um bolo de gente, quem passava em frente parava e filmava. Fui ver o que era. Um amontoado de fezes de cavalo com uma tira de papel com os dizeres: “Bolsonaro!”. E, logo à frente, na Rua Bela Cintra, policiais montados em seus cavalos, perfilados, olhavam a multidão.

Essa faixa, creio eu, conseguiu expressar em pouco espaço muita coisa que estamos vivendo: “Arma não é paz, a terra não é plana, cloroquina não cura covid, teto de gastos não economiza, floresta não é pasto, privatização não melhora, reformas liberais não funcionam – Fora, Bolsoguedes – Genocidas”.

Já entrando na Rua da Consolação passei por um grupo que carregava placas reproduzindo as caixas de remédios genéricos. Na parte de cima, em azul, lia-se: “Investimento em Educação”, abaixo, em amarelo: “G Salvar vidas”, na tarja em vermelho: “Fora Bolsonaro”.

Depois emparelhei com um homem carregando a bandeira brasileira que no lugar do lema positivista “Ordem e Progresso” lia-se “Morte e Medo”.

Na praça Roosevelt, quando a multidão se dispersou, me virei para ir embora e levei um susto. À minha frente tinha uma caveira branca (máscara, obviamente) com um pano preto em volta do pescoço, camiseta branca com colantes vermelhos na região do peito, onde se lia “Fora Bolsonaro” e no centro: “Movimento Antifacista 2020”.

Subi a Consolação conversando com um rapaz que segurava uma placa “Governo Funeral do Brasil”, pontilhada por várias cruzes.

Ao final, pensando há quanto eu não via a Av. Paulista assim, ficou em minha cabeça o refrão da moça que cantava num carro de som: “Se lutar o Bolsonaro cai, se lutar a vacina sai”....

Horas depois, e no dia seguinte, em meio ao inacreditavelmente pouco espaço reservado às manifestações nos meios de comunicação tradicionais do país, falou-se em baixa adesão. Não foi o que me pareceu e, como se sabe, se todos que em situação não-pandêmica fossem, teríamos algo gigantesco. As estimativas de participantes apresentadas precisam, então, ser multiplicadas por algum fator que insira essas pessoas que ao menos em alma lá estavam.

Houve críticas, também, de falta de respeito ao isolamento social. Me expliquem como isso é possível numa manifestação. Mas, ao contrário de manifestações bolsonaristas (caracterizadas por parcela razoável de pessoas sem máscaras), quase todos presentes portavam máscaras e, uma parte, faceshield, além de dividirem álcool em gel. Essas três faixas me parecem dizer muito sobre isso:

“Enquanto Bolsonaro for presidente todos nós somos grupo de risco!”

“Se estamos nas ruas é porque o governo se tornou mais perigoso do que o vírus”

“Entrar na rua em plena pandemia evidencia o nosso desespero”

 


[1]  Faixa levada pela atriz Mônica Martelli na manifestação.

 

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