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A VIDA NO INTERIOR DE SÃO PAULO

A VIDA NO INTERIOR DE SÃO PAULO
Vana Miletto
mar. 26 - 6 min de leitura
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A VIDA NO INTERIOR DE SÃO PAULO

Vana Miletto

 

            Nasci e cresci na capital, na década de 60 os bairros paulistas eram afastados dos centro urbanos, caminhava-se por alguns minutos para se chegar à escola. Hospitais, bancos e supermercados eram coisas muito chiques e um tanto distantes dos que moravam afastados de quase tudo, até mesmo um simples armazém ficava bem distante, dessa forma comprava-se grande parte do alimento, na venda mais próxima e que ainda podiam ser anotados em uma caderneta.

Todas as crianças do bairro estudavam na mesma escola, depois da aula, a rua pertencia às crianças e jovens, brincávamos até nossas mães nos chamarem para tomar o banho e elas ainda reforçavam que nossos pais estavam para chegar do trabalho. Ao ouvir o chamado, cada um se dirigia para suas casas. As brincadeiras eram bem mais variadas e divertidas do que passar horas na internet, aliás esse termo não se usava naquela época, nem sei se ele existia.

            Na escola, aprendi que anoitece e amanhece porque a Terra se desloca em rotação. Aprendi que as 4 estações do ano também ocorrem pelo deslocamento de translação da Terra, aprendi que chove porque a água evapora e esse vapor em contato com o frio da atmosfera faz com que as pequenas partículas se transformem em gotículas de gelo que ao se tornarem densas se deslocam, derretem e caem em forma de chuva.

            Em casa aprendi que devemos ouvir, acatar e respeitar as ordens dos mais velhos porque isso é respeito, aprendi também que devemos comer de boca fechada, não falar enquanto se tem alimento na boca, levar a mão à boca ao tossir ou espirrar porque são bons modos de civilidade.

            Esses aprendizados ficam gravados para o resto de nossas vidas, entretanto, quando você cresce nos grandes centros urbanos e após 40 anos simplesmente decide viver no interior, todas essas aprendizagens se mantém, porém as explicações que aprendeu sobre amanhecer, anoitecer, estações do ano e atitudes de civilidade adquirem outros formatos.

Aprendi que os bons modos de civilidade não são apenas atos de boa educação, mas também atos que aproximam ou afastam pessoas, aprendi que ouvir e acatar ordens dos mais velhos não é apenas sinal de respeito e sim atitudes de sabedoria, que lhe serão muito úteis no futuro.

            Viver no interior me fez enxergar que o amanhecer e o anoitecer não são apenas os movimentos de rotação da Terra e sim um verdadeiro espetáculo que apenas as lentes dos nossos olhares são capazes de captar sua essência. O amanhecer não é um simples clarear que chega com o Sol, é um magistral  espetáculo em que as brancas nuvens de vários formatos vão aos poucos abrindo caminhos para os altivos raios dourados que aos poucos saem como flechas vagarosas em diversas direções, de repente a gigantesca bola de fogo surge com seu brilho e calor para aquecer as criaturas viventes que de tanta felicidade voam, cantam, pulam, saem do gramado iniciando assim uma sinfonia de gratidão e ao mesmo tempo de luta para sobreviverem, pois cada um desses seres que ao mesmo tempo se regozijam pela dádiva da vida, também tentam escapar de seus predadores.

            O anoitecer não é apenas o término de um dia, mas sim o recolher-se do Astro Rei que aos poucos se esconde em movimentos imperceptíveis ao corpo, mas notáveis aos olhos. Ao se recolher vagarosamente, as nuvens novamente se abrem para esconde-lo e aos poucos as flechas douradas saem da Terra, retornando ao seu habitat. Esse retorno dos rasgos dourados ao Astro deixam pequenos rastros de poeiras douradas e quando todos estão colados no Astro Rei, fica apenas no céu pequenos fragmentos dessa poeira quente e brilhante, dando a impressão que o Criador está fechando seus olhos para que seu brilho não atrapalhe o sono das criaturas viventes.

            Viver no interior me ensinou que as 4 estações do ano não são simplesmente criadas pela translação, mas sim que as maravilhas das flores, das folhas que caem, que o Sol ofuscante, a chuva e o frio são notas musicais que minha alma e meu coração escutam e minha mente divaga e viaja para lugares nunca vistos. Aprendi que o vento é um sopro do Criador para que nossas narinas possam respirar o suave aroma do tempo, que a chuva é a benevolência do Criador para saciar a sede dos seres viventes, hidratar   a terra e umedecer o ar. Aprendi que as folhas caem porque as árvores trocam de roupa para poder acolherem os novos frutos que alimentarão muitas vidas. Aprendi que o desabrochar das flores são os delicados toque da presença de Deus para fazer nossos olhos colorirem de felicidade e preencherem nossas narinas de alegria.

            Aprendi que meu corpo é um templo, o templo que abriga a essência divina a essência que me faz admirar incansavelmente as obras da criação, os fenômenos da natureza, me faz inebriar-me com o barulho dos insetos, dos ventos, das chuvas, do crepitar das folhas secas, do ruído dos fortes ventos, da queda da água na cachoeira, das ondas do mar se movimentando, do canto da coruja, do voo majestoso do gavião no alto do céu, render-me ao brilho das estrelas e do luar, extasiar-me com o suave e harmonioso sussurro da brisa que invadem minha alma e fazem com que meu cérebro e minhas mãos os transformem em palavras e notas musicais.

            Viver no interior me fez compreender e perceber que meus olhos não sabiam enxergar, que meus ouvidos não sabiam ouvir, que minhas narinas não sabiam o que era aroma, odor e cheiro, que meus poros estavam entupidos e prejudicavam o meu tato fazendo com que não sentisse a textura e tessitura da vida, que minha boca desconhecia o verdadeiro sabor das coisas e que meu cérebro adormeceu em demasia, mas que ao viver no interior, todos eles se curaram.

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