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A gente acostuma

A gente acostuma
Ivo Santos Cardoso
out. 24 - 2 min de leitura
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“A gente acostuma”

Ivo Cardoso

Chamei o elevador e ele desceu. Abri a porta. “Bom dia!”, cumprimentei. A moça me olhou, respondeu e logo surgiu uma conversa sobre poluição, ruídos... “Seu apartamento é de frente para a rua. O barulho não a incomoda?”, perguntei.

E ela: “No começo incomoda. Depois a gente acostuma”.

Chegamos ao térreo. Cada um foi para seu lado. Seguiu comigo a observação: “A gente acostuma”. Fiquei pensando: se um dia a barulheira cessar, milhões perderão a concentração no trabalho ou terão insônia por falta de ruído.

O comportamento é comum diante de tantos fatos banais de desrespeito que atravancam o dia a dia com incômodos entulhos. O vizinho que desrespeita nosso sono com ruídos inconvenientes, o furador de filas nos bancos, os que jogam na rua papel e pontas de cigarro que a chuva carrega, entope bueiros e provoca tragédias, o motorista que avança o sinal e ameaça minha segurança. A gente acostuma. E toma os diários desrespeitos como coisa normal.

Sinal aberto para o que se considera pequenos desrespeitos, estes repetem-se com tanta frequência que, em certa medida desligamos nossos alarmes, confiados em que “a gente acostuma”. E quem acostuma nem percebe mais, incorpora o prejuízo, acha normal. E até passa a praticá-los. E quando alguém chama a atenção para os riscos da atitude, surge a frase justificadora, temível irmã gêmea da outra: “Mas todos estão fazendo”.

E tudo desemboca nas águas turvas do “jeitinho brasileiro” da cultura viciada que corrói o futuro, fortalece a corrupção, a falsidade, a mentira. As mazelas. E se algum detalhe der errado e os personagens forem flagrados com a mão na massa, sempre haverá uma cachoeira de dinheiro para contratar um fantástico advogado.

Desmoralizados pela generalização do “a gente acostuma”, “mas todos estão fazendo” e o “jeitinho brasileiro”, viramos as costas à decência, encorajamos a decadência e retardamos os benefícios do seguro progresso que todos queremos.

Mais do que nunca, é hora de fazer o inverso, inovar com uma cultura do bem e fazer o correto. Quem sabe nessa cultura “a gente acostuma” porque “todos estão fazendo” e honestidade e transparência serão agora o novo “jeitinho brasileiro”. O lucro será grande. Vale tentar. Comece em casa. É onde também nascem e se educam bons políticos.

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