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Páginas em Branco

Páginas em Branco
João Vitor Lima Gregório
dez. 31 - 5 min de leitura
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O terror para um escritor iniciante é uma página em branco, a mesma pode oferecer lugar para um bom texto ou para um amontoado de palavras medíocres. Assim poderia ser encarado 2020, uma página em branco, cheia de possibilidades, tanto para o sucesso quanto para o fracasso, no entanto, nesse ano não tive controle total da situação, como teria em um texto. Pandemia, coronavírus e quarentena foram palavras com as quais tentei escrever algo proveitoso. Não sei se consegui tal feito e não me animo em contar como foi meu ano, pois, sinto que foi igual ao de tantas outras pessoas que aprenderam a jogar com o inesperado e ainda lutam para distinguir aquilo que podem mudar e o que não podem. Vou falar então daquilo que quis ser e do que de fato fui, nesse ano.

No longínquo janeiro, recém-formado no ensino médio, quis ser um calouro do curso de filosofia, um daqueles esforçados alunos que trabalham e estudam, e ainda têm tempo para viajar nas folgas, que se envolvem em pesquisa, ganham bolsa de monitoria, alimentação ou transporte, aparentam serem muito felizes esses garotos.

Em março, quarentenado, quis ser contemplado do auxílio emergencial, seriam três meses de aluguel pago, sem precisar nem sair de casa, iria dar até para ser aquele escritor Best-Seller, que escreve o romance do século enquanto bebe um bom vinho. Ler, ler e ler, lia muito esse escritor. Seu livro de Debute? Escrito numa quarentena.
Em junho, com a Unicamp em mente e de volta à cidade natal, achei legal mesmo, ser craque em matemática, saber regra de três, porcentagem, interpretar questão difícil, concluir a prova rápido, para partir para redação e tirar mil, mudar de curso e de cidade.

Já em setembro, extenuado pela lentidão com que meu aparelho celular processava os vídeos das aulas, quis ser campeão de concurso literário, ganhar o prêmio em dinheiro para pagar o notebook, para ser o estudante do EAD, para fazer a prova, para poder mudar de curso, para ir para Unicamp, para ser escritor. Como você pode ver, é muita coisa para ser. Porém, como ser e o quê ser, são para mim questões. Aquilo que de fato fui, fui pelas beiradas. Cineasta pelas beiradas, escritor pelas beiradas e até universitário pelas beiradas. De completo mesmo só fui meus personagens, isso mesmo, fui cada um dos personagens de minhas fábulas, gerei muitas aglomerações literárias e também fui aquele aspirante a escritor atordoado, daqueles que desconfiam, não saber de nada. Fui sujeito estressado, ser universitário está complicado, quem dirá cineasta, biomédico, recepcionista de dentista, mestrando de filosofia, roteirista, publicitário, jornalista... Já me falta o fôlego e ainda nem terminei o texto, o ano ou a crise.

Agora, em dezembro quero ser um escritor que saiba fazer conclusão, afinal já é dezembro tem de haver conclusão, mas sendo sincero com você caro leitor, a única conclusão que posso te oferecer sobre 2020, é a de que a vida adulta não é fácil. O famoso vírus acabou sendo uma metáfora da incerteza e da dificuldade que essa fase reserva. Contamos com uma bolsa, um emprego, cronometramos o tempo necessário, mas a vida pode mudar isso na hora que bem entender, a pandemia esfregou isso, um pouco, na minha cara. Ser adulto é está à mercê das escorregadas que a economia dá, seja com vírus ou sem vírus, mas também é seguir, é perder madrugadas de vez em quando fazendo aquilo que você ama, é sonhar sabendo que diferente do que te falaram, sonhar não é de graça, o preço é a possibilidade de decepcionar-se. Ser adulto é também ter o prazer de transformar pouco a pouco aquilo que você ama em ofício. É temer encarar a página em branco, mas mesmo assim encara-la, sabendo que vez ou outra você irá nela tecer, a mais linda obra. E se o fracasso vier, é saber que nos fracassos encontramos os maiores materiais de aprendizado e que a cada fracasso superado voltamos mais fortes e sábios.

Pode ser que no futuro quando quase ninguém se lembre que um dia passamos por essa pandemia, eu diga orgulhoso que 2020 foi o mais belo de meus aprendizados, ou para não soar clichê, que 2020 foi o mais bonito de meus fracassos.


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