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Além da frieza das letras

Além da frieza das letras
Jorge L. P. de Freitas
jul. 14 - 5 min de leitura
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A não-literalidade é uma arte. Imagine você, a tristeza que seria se tudo na vida fosse exatamente como vemos, ou, neste caso, como lemos e ouvimos. A música, o teatro, o cinema, as artes em geral. Enxergar além da frieza das letras é fundamental e, em meio à pandemia mais grave dos últimos cem anos da humanidade, pode criar uma discussão fundamental sobre a importância da educação em meio ao alvoroço causado por uma crise de saúde sem precedentes. 

Basta uma volta pela cidade para observar que as pessoas, por um bom tempo, respeitaram a ordem de ficar em casa. Por alguns meses, o medo e a insegurança se instauraram e, salvo algumas exceções, houve poucas pessoas transitando pelas ruas ou se encontrando em bancos das praças ou em locais públicos impossíveis de serem fechados.

Entretanto, uma simples volta pela cidade indica que as aglomerações passaram das ruas para dentro de suas casas. São raros os domicílios que não reuniram, nesses meses de pandemia, famílias inteiras para comemorar aniversários ou outras datas especiais. Aliás, é possível perceber pelas redes sociais, que encontros caseiros tornam-se cada vez mais comuns, o que levanta uma grande discussão sobre a real mensagem que a lema "Fique em casa" propaga a nós, brasileiros.

Se "ficar em casa" é permanecer dentro de uma residência, seja esta a sua própria, a de um amigo ou de uma família, é impossível negar que as pessoas cumpriram rigorosamente cumprindo o determinado pelas autoridades locais. Contudo, a ideia primordial por trás dessa bandeira não é apenas o despovoamento dos locais públicos, mas também o isolamento dentro dos locais privados.

É neste ponto que encontramos um grande problema educacional no centro de um gravíssimo problema de saúde. Sabemos que a população brasileira é composta por quase 30% de analfabetos funcionais - aqueles que leem, mas não entendem o que estão lendo. Haja vista que o pico de isolamento no Brasil beirou no máximo os 70%,  em março, mas tem decaído nas últimas semanas, podemos acreditar que há uma clara relação entre isolamento e educação (ou no caso, a falta dela).

É claro que este ponto não exclui outros fatos, como o jeitinho brasileiro de burlar as regras, a influência negativa do Presidente da República ou as brigas políticas que transformam segurança e saúde públicas em ideologias. Também não excluem questões de caráter e de falta de noção coletiva, praxes na sociedade brasileira, cada vez mais fragmentada, num desenho dos conceitos do sociólogo polonês Zygmunt Bauman. No entanto, é inegável que existam pessoas que acreditam cumprir integralmente a indicação dos governantes ao encontrarem em casa com amigos ou familiares.

Para piorar, um número ainda mais grave indica que apenas 8% da população brasileira é capaz de interpretar e compreender corretamente um texto, o que implica diretamente na dificuldade em entender as normas sugeridas pelas Organização Mundial da Saúde e fatores como "achatamento da curva", "isolamento vertical/horizontal" ou "falência do sistema público de saúde".

Além de todos os problemas escancarados com esta pandemia, é possível enxergarmos um gravíssimo problema educacional, que tem feito com que as pessoas interpretem de maneira errada o lema "Fique em casa".  Nelson Mandela dizia que "a educação é a melhor arma que se tem para mudar o mundo", e vou além, é também a melhor arma para salvá-lo, mesmo de uma pandemia como esta.

Portanto, mais do que nunca, está claro a importância de alterar esta campanha, de maneira a deixar claro, sem necessidades de interpretação, o que deve ser feito neste momento de pandemia Embora pareça primário, vai ao encontro com a realidade educacional brasileira, que, como sabemos bem, deteriora-se anualmente.

Mesmo que tarde, ainda se faz preciso de um lema que indique que ficar em casa é um meio para evitar encontros, não para promovê-los em segurança.  A mesma tecla já está gasta de tanto ser batida e o Brasil, como sabemos, segue na contramão de todo o mundo.

Uma batalha a ser vencida que deixa ligada a luz de alerta: a educação não pode mais ser marginalizada no Brasil. É a separação angular entre a civilidade e a selvageria, entre o mundo e que vivemos "O Senhor das Moscas", de William Golding. Caso contrário, se daqui a 50 anos uma nova pandemia surgir, padeceremos novamente.

 

Fonte imagem: Prefeitura de Santos


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