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Por que continuar escrevendo? Ou, como ser Roberto Bolaño?

Por que continuar escrevendo? Ou, como ser Roberto Bolaño?
João Vitor Lima Gregório
ago. 2 - 10 min de leitura
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Numa tarde de quarta-feira, em uma ida ao sebo, encontrei o livro 2666 de Roberto Bolaño na parte de baixo da estante, obra que, a começar pelo título já é intrigante. Já tinha ouvido falar de Bolaño, de acordo a orelha do livro, se tratava de um dos principais nomes da literatura contemporânea, autor chileno ganhador do prêmio Rômulo Galegos pelo aclamado Os Detetives Selvagens. Apesar dessa informação, o que realmente lembrava sobre ele, era de que tinha tido empregos comuns. Antes de se consolidar como escritor havia sido guarda –noturno e vendedor de bijuterias, admito que essa imagem bela, um pouco lírica de trabalhador que conseguiu se consolidar como escritor me criou curiosidade sobre sua obra, a ponto de abrir o calhamaço e iniciar a leitura do primeiro capítulo, este narrava a vida de Pelletier, um jovem pobre, mas apaixonado por literatura. Assim, meio minuto depois de estar com o livro em mãos, já havia me deslumbrado e apesar do preço salgado, comprei o livro. Quando sai do sebo, com o calhamaço de 800 páginas nas mãos, parecia que o mundo tinha se renovado, minhas esperanças de ser grande, também. Antes de ir ao sebo, havia acabado de ser reprovado em um concurso para cargo público, que me permitiria juntar dinheiro para a faculdade de literatura. Depois de uma excelente leitura das primeiras páginas, pensei animado, “Foi por esse motivo que não passei no concurso, se tivesse passado me distanciaria da literatura, da escrita, da verdadeira e renovadora arte”.  

Agora, quase dois meses depois me encontro estancado na página 540 do romance latino-americano, me perguntando qual a importância da literatura e da arte frente as mazelas do mundo. O que ocorreu foi que a soma de episódios complicados da vida cotidiana, dificuldades relacionadas a escrita e inseguranças sobre o futuro, juntamente com o impacto que as temáticas abordadas no romance tiveram em mim, me encaminharam a uma indagação, por que continuar escrevendo?  

Observem o seguinte quadro, o país ruindo economicamente e socialmente, uma vendedora de cursos me dizendo que se você não fez um curso profissionalizante (Não técnico, segundo ela havia uma diferença) dificilmente conseguiria um bom emprego, ponto final, e eu trancado no meu quarto pensando formas de produzir contos melhores e voltando cada vez mais esforços para o objetivo de fazer faculdade de literatura. Será que vale a pena todo esse esforço? A vendedora de cursos profissionalizante falou que pessoas de várias áreas concluem a faculdade e não conseguem emprego e em muitos casos, o curso profissionalizante é mais útil que 4 anos de universidade. Cursos profissionalizantes esses, em sua maioria voltados para áreas industriais, tecnológicas e administrativas, ou seja, zero opções para aqueles que não tem vocação para serem robôs. Em certo ponto da entrevista, falei que cursava filosofia e havia sido monitor de artes durante o ensino médio, e mais uma vez tive aquela velha sensação de que esses aspectos, que para mim eram conquistas significativas, estavam sendo mal vistos pelos recrutadores. Parece que no mundo real vivemos em um universo completamente distanciado de qualquer vestígio de humanidade e por consequência, é claro, das artes. É só parar para ver a situação de muitos indivíduos formados em disciplinas como história, sociologia e filosofia, hoje em dia, apesar dos vários casos de sucesso, muitos não encontram se quer emprego. 

Antes do ocorrido com a vendedora de cursos, 2021 já vinha sendo um dos anos em que senti minha arte mais impotente. De que vale meu texto engraçadinho diante da desvalorização do diploma de cursos superiores? O que ele altera na vida de milhares de jovens que sonham em investir em carreiras que se mostram cada vez mais difíceis, sobretudo para pessoas de origem humilde? 

O subtexto de Roberto Bolaño aborda justamente isso, a crueldade e decrepitude do mundo, a impossibilidade de salvamento através das artes. Isso fica evidente quando Bolaño traz várias pequenas histórias, dentro da estrutura maior que é o romance, de artistas que apesar de muito talentosos, carregavam em si um pouco da maldade do mundo. Como exemplo quero citar a história do fictício pintor alemão que cortou a própria mão para fazer dela uma escultura, e que depois de muitos anos sendo considerado louco, finalmente revela que na verdade fez isso pelo dinheiro que o chamativo ato despejaria em cima de sua obra. Bolaño traz de forma muito refinada a pobreza, a violência, o vazio da vida dos intelectuais, é tudo muito pesado e ao mesmo tempo fascinante de se ler. Trata-se de uma construção tão bem feita, que negativamente nos faz pensar se a arte tem realmente toda a grandeza que acreditamos ter.  

Sobrevivência financeira individual, será? Será que é apenas isso que a arte pode possibilitar e ainda por cima, para alguns poucos, depois de muito trabalho e as vezes sorte? Conseguir sobreviver. E quem não consegue tal feito vive triste e a arte se torna mais um elemento problemático na vida terrena. No fundo sei que isso não é verdade. A arte existe para nos fazer sentir menos sozinhos, ela salva nosso lado humano e é esse fragmento nosso que mantem o mundo respirando. O problema é que tudo fica mais grave, mais danoso e mais negativo para quem busca alicerces para começar.  

Tenho 21 anos, estou no início do caminho e já me sinto por demais cansado, um cansaço do mundo em que vivemos, do ritmo que nos é exigido, do tempo que não para de avançar e não nos permite se quer ter um tempo para uma crise. Tento me desesperar um pouco, entristecer devido a tudo que está acontecendo, me indagar se realmente tenho condições para fazer o que é preciso e quando vejo no relógio já se passaram 45 minutos de um tempo que eu não tenho para perder. Então, atordoado, sem conseguir passar da página 540 de 2666,  saio para caminhar.  

A cidade grande não tem mais movimento a esse horário, temo ser assaltado, mas continuo o percurso e de repente uma coisa que seria para me relaxar, começa a trazer mil pensamentos envolvendo as diversas coisas que tenho para resolver naquela semana. Passo em frente a outro sebo, que àquela hora já está fechado, a imagem me enche de paz. Há, que bom seria se o mundo fosse uma enorme livraria. Rapidamente penso em como posso amar tanto literatura e estar com tanta dificuldade para escrever. Será que perdi o talento antes mesmo de escrever algo de significativo? 

Nunca iniciei tantos textos, crônicas e principalmente contos, e é incrível a minha capacidade de não acabar nenhum, é como se achasse que nenhum é suficientemente bom para resolver os problemas que me acometem e por isso prefiro nem os concluir. Mas o fato é que estou exigindo demais de um texto, de um emprego, de uma faculdade, nem tudo na vida tem de dar conta de toda a horroridão que existe no mundo.  

O fato de a livraria estar fechada me deprime, lembro que para encontra-la aberta terei de voltar pela tarde. Voltar depois significa mais um dia extenuante no trabalho antes de ser liberado e poder correr para os livros.  

Deprimido ando mais um pouco, chego até o ponto turístico da cidade, um açude que não funciona mais como açude, pois está muito poluído, mas fica em meio a uma paisagem verde que realça a sua beleza e onde vários moradores da cidade praticam caminhada, dando voltas por toda a sua extensão. Como é bela a paisagem, apesar de poluída a água ainda é superficialmente bela. Começo a caminhar, um leve vento corre e balança a velha camisa branca que uso, penso que não valeria a pena viver sem escrever, sem um pingo de subjetividade em minha existência, que o mundo apesar de um pouco poluído ainda traz em si muita beleza, e se soubermos olhar conseguimos nos salvar de vez em quando, da mesma forma que eu estava me salvando ali, naquele momento.  

Pode parecer exagerado chamar um bom momento de salvação, mais fui salvo ao menos por aquele instante, ao menos por aquele dia. Sou salvo novamente agora, ao concluir esse texto e apesar de temer morrer pobre e cult, planejo trabalhar duro para que isso não ocorra, por hora me sentirei salvo se esse texto salvar à algum leitor, afinal, quanto mais intima é a transformação promovida pela arte, mais universal ela se torna. A arte não salva o mundo ela salva o indivíduo, e é esse indivíduo que soma sua força ao resto da humanidade. Bolaño  mesmo com todo a maldade que em sua obra denunciou, conseguiu garantir o sustento, graças a escrita de 2666 , dos dois indivíduos que mais amava no mundo, seus filhos. Mesmo sabendo que morreria de insuficiência hepática em pouco tempo, dedicou seus últimos dias ao que mais amava fazer, escrever. Isso é triste e é ao mesmo tempo beleza e ação, e é assim que a maior parte do universo é. Que tenhamos sabedoria (E bom humor, é claro) para não sermos indiferentes, nem a beleza, nem a tristeza e nem deixemos de agir. 

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